“É preciso sair da ilha para ver a ilha.”

Essa frase de José Saramago me faz pensar sobre tudo o que estamos descobrindo atualmente no campo da saúde mental no trabalho. Será que vai ser necessário um afastamento para entendermos o que, de fato, está acontecendo? Será que daqui a 50 anos vamos olhar com mais clareza para tanta complexidade?

Foi na pós-graduação “Saúde mental nas empresas”, na USP, que escutei o Dr. Wagner Gattaz, coordenador do curso e especialista na área, dizer que “o burnout é sexy”…

Como assim “sexy”? Um diagnóstico de burnout acaba sendo mais bem aceito do que um de depressão, por exemplo. Basta buscarmos por burnout no Instagram para vermos uma enxurrada de perfis relatando com detalhes tudo o que passaram quando tiveram burnout.

A palavra “burnout”, para o workaholic, pode servir até mesmo como medalha. O fator sexy do burnout vem de seu estereótipo de força e de engajamento — ao contrário da ideia de fragilidade da depressão. Por isso, o burnout é mais atraente.

No senso comum, a palavra burnout pode ter muitos significados. No campo da justiça, ao abraçar a definição da OMS (da CID-11), que define burnout como um fenômeno ocupacional relacionado ao trabalho, algumas complicações foram criadas.

Por exemplo: para muitos especialistas, uma pessoa poderia ter depressão e burnout. Poderia inclusive ter tido uma depressão há anos e hoje estar num quadro de burnout. Na leitura da justiça, com as lentes da CID-11, o burnout é excludente: ou é uma coisa ou é outra — deixando assim diagnósticos e acompanhamentos muito mais difíceis. Se existe qualquer outro problema na vida da pessoa, o burnout pode ser descartado. Uma loucura.

Acima, um gráfico da pesquisa “Tudo que você gostaria que seu RH soubesse”: a soma das pessoas que tiveram um burnout diagnosticado, das que não sabem se tiveram e das que acham que tiveram é o assustador número de 68% dos respondentes: o burnout é sexy, é chiclete, tá na boca do povo (mas isso não significa que não exista um sofrimento relacionadíssimo ao trabalho).

Estou tateando essa conversa que envolve a medicina e a justiça. Para que possamos nos aprofundar nessas questões, reuni aqui um breve apanhado:

  • Burnout não é doença: Dr. Estevam Vaz num vídeo curtinho;
  • É um diagnóstico de exclusão: ou você tem depressão ou você tem estresse ou burnout;
  • O que ninguém te contou sobre o burnout, livro de Marcos Mendanha;
  • Como contraponto, um dos maravilhosos livros de Christina Maslach The burnout challenge. Apesar de receber duras críticas dos pesquisadores acima, Maslach tem um trabalho excelente, especialmente ao se aprofundar nos 6 fatores que podem salvar a saúde mental nas empresas.

Uma coisa boa que a academia nos traz (ou deveria trazer!) é o exercício dessa flexibilidade cognitiva, esse eterno sair da ilha para ver a ilha — e depois, claro, voltar para a ilha compreendendo melhor, enfim, o que é uma ilha! É menos sobre concordar e mais sobre refletir profundamente. Espero que este breve texto tenha instigado sua curiosidade sobre o tema.