A querida Débora Gomes nos contatou para participarmos da matéria de capa de abril de 2023 da revista Vida Simples, sobre coragem. Nas bancas você pode ler a matéria na íntegra e aqui embaixo um pouco da conversa que eu tive com Débora sobre essa qualidade maravilhosa que surge a partir do medo.


DG: A coragem pode ser considerada uma emoção? de quais outros sentimentos/emoções ela é feita? 
A coragem não é considerada uma emoção: ela é considerada uma qualidade cultivável. Uma emoção é um processo de avaliação que acontece automaticamente em nosso corpo e na nossa mente — por isso é incontrolável e por isso também não precisamos cultivá-la. Já uma qualidade é algo que podemos treinar, e a coragem é essa capacidade de agir apesar do medo.

DG: Muitas vezes, associamos coragem e medo. Mas, na verdade, elas não são opostas, né? Você pode me explicar qual a relação entre os dois?
Numa visão simplista, coragem e medo são coisas opostas, mas na verdade a coragem só surge a partir do medo. A professora budista Pema Chodron, no livro Quando tudo se desfaz, diz que podemos nos considerar com sorte quando o medo chegar, porque é nesse momento que a coragem aparece. A citação é essa:

“… considere-se com sorte na próxima vez em que encontrar o medo, pois é nesse ponto que entra a coragem.”

É interessante pensar quem em nossa sociedade imediatista, tendemos a tratar muitas qualidades como imutáveis. Por exemplo, tendemos a pensar que algumas pessoas são corajosas e outras não. É como se acreditássemos que algumas pessoas não sentem medo quando, na verdade, elas lidam com o medo com coragem. Por isso que é muito importante entendermos que a coragem não é uma emoção: é uma escolha, uma qualidade que se cultiva, uma capacidade de agir apesar do que está posto. E todos nós temos essa semente que pode ser cultivada.

DG: Existe um caminho para que possamos agir e nos movimentar quando o medo fala mais alto? Como diz aquele ditado, “às vezes é preciso ir com medo, mesmo”…
Gosto muito de pensar em como geralmente bons processos educativos lidam com o medo das crianças pequenas (e o que podemos aprender com isso em nossas próprias vidas). Se uma criança tem medo do escuro, por exemplo, um bom educador não vai exigir que a criança passe por um corredor com as luzes apagadas como forma de vencer esse medo. Da mesma forma, podemos ser gentis com nós mesmos e compreender que o caminho pode ser longo. Um bom educador vai ficar atento para revisitar o ocorrido com a criança num momento mais calmo, vai gradualmente ajudá-la a enfrentar seu medo sem, no entanto, artificializar um mundo em que o objeto do medo não existe.

A emoção medo reconhece algo que pode nos prejudicar, por isso nos prepara para a fuga. É preciso prestar atenção nessa intuição que é muito benéfica para nossa vivência, já que pode nos salvar. Aquele ditado, “às vezes é preciso ir com medo mesmo” nos mostra que muitas vezes o medo não vem dessa intuição inicial: vem de uma série de pensamentos que nossa mente cria. A ansiedade é um desses estados e isso é muito comum. Então “ir com medo mesmo” é olhar o medo nos olhos, é dar uma nova chance à nossa mente e não acreditar em tudo que nossos pensamentos dizem. É escolher agir com coragem, quando notamos que é possível superar aquele obstáculo (e, logo, aquele medo).

Em nossos processos educativos, quando abrimos questões que tocam em como lidamos com a raiva, como a tristeza nos pega, o que é a inveja e o que nos desperta essa emoção, nós geralmente fazemos isso com o apoio da arte, para que todos se sintam confortáveis em olhar a emoção surgindo (em filmes, trechos de livros, músicas), mas abrirem com os outros apenas o que eles estiverem confortáveis em assim fazer. Quando falamos de emoções, mais do que ter um espaço confortável e seguro para conversar sobre o que sentimos, precisamos de um espaço corajoso. Não é fácil olhar como explodo de raiva, como o ciúme me corrói, como tento culpar o outro pela minha tristeza. Aqui entra a coragem de olharmos genuinamente para quem somos e para quem desejamos ser. É uma tarefa contínua e um percurso de muitas descobertas.