No começo de março, passamos alguns dias em Florianópolis fazendo um trabalho muito legal.
A primeira fase do projeto foi uma pesquisa que fizemos online com todos os funcionários da empresa para medir os seis fatores desencadeadores do Burnout (um protocolo desenvolvido pela psicóloga social Christina Maslach). Depois disso, analisamos os dados, apresentamos para a diretoria e montamos dois workshops em que trabalhamos os pontos mais preocupantes apontados na medição.
Passamos um dia inteiro com os diretores e, no dia seguinte, começamos um trabalho com toda a liderança da companhia, com quem seguimos por seis meses.
Durante uma conversa inicial, uma das líderes trouxe um caso muito interessante: uma funcionária que estava prestes a chegar no limite da exaustão. Elas conversaram sobre possibilidades de diminuição da carga de trabalho até que, entendendo a gravidade da situação, a gestora fez um pedido: “Gostaria que você tirasse uns dias para descansar”. Para nossa surpresa, ela contou que a pessoa recusou a proposta, dizendo que não poderia parar no momento.
Essa gerente, então, trouxe para nossa roda uma questão importantíssima: “Como podemos construir aqui nesta empresa uma cultura em que podemos ter o direito ao descanso?” Essa é uma das perguntas que tem orientado nosso trabalho com essas pessoas.
Pouco tempo depois de nossa ida para Florianópolis, peguei Covid. Estava gripada e, assim como a grande maioria das pessoas que conheço, com mil coisas para fazer. Minha parceira de trabalho, Isabella Ianelli, disse: “Vá descansar, Nath”. Ao que respondi (mesmo depois de ter ouvido a história acima): hoje não posso, vou deixar para amanhã.
Nesse “amanhã” também não rolou. Um pouco por questões práticas, de fato coisas importantes precisavam ser feitas, mas conseguia observar em mim também uma culpa (Isabella pegou 4 horas de estrada sozinha para fazer uma palestra em Bauru) e muitas outras sensações como ansiedade, desconforto, inquietação, frustração e, claro, cansaço.
De forma alguma estou tentando individualizar o problema dizendo que nós é que não nos permitimos parar. Minha reflexão passa mais por essa construção social de um modelo de trabalho em que culturalmente nos foi roubado o direito de descansar. “É só uma gripezinha, só um burnoutzinho…”.
Renata Paparelli, professora da PUC especializada em burnout, definou a exaustão assim:
“a transformação de alguém com muita energia para uma pessoa cuja potência de vida acabou”.
Essa potência acaba porque nosso corpo está pouco ligando para essa estrutura externa que supervaloriza o fazer. Ele nos obrigada a parar de vez, mas não antes sem dar sinais.
E é por isso que a pergunta da nossa nova amiga de Florianópolis me pega tanto: como podemos reivindicar o direito ao descanso? De dentro para fora, sim. Mas, especialmente, de fora para dentro.
Te deixo com o trecho de um texto certeiro de Eliane Brum, que você pode ler completo aqui.
“Estamos exaustos. Exaustos e correndo. Exaustos e correndo. E a má notícia é que continuaremos exaustos e correndo, porque exaustos-e-correndo virou a condição humana dessa época. E já percebemos que essa condição humana um corpo humano não aguenta. O corpo então virou um atrapalho, um apêndice incômodo, um não-dá-conta que adoece, fica ansioso, deprime, entra em pânico. E assim dopamos esse corpo falho que se contorce ao ser submetido a uma velocidade não humana. Viramos exaustos-e-correndo-e-dopados. Porque só dopados para continuar exaustos-e-correndo. Pelo menos até conseguirmos nos livrar desse corpo que se tornou uma barreira. O problema é que o corpo não é um outro, o corpo é o que chamamos de eu. O corpo não é limite, mas a própria condição. O corpo é.”
Eliane Brum